Jair Bolsonaro (PL) se valeu das contradições do tenente-coronel Mauro Cid, reveladas pela revista Veja, para exigir a anulação do acordo de delação premiada firmado por seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, com a Polícia Federal e, consequentemente, o encerramento do processo que investiga a tentativa de golpe de Estado no final de 2022. Em mensagens publicadas nas redes sociais, Bolsonaro reiterou sua versão de que é alvo de perseguição política e atacou o Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso.
“Essa delação deve ser anulada. Braga Netto e os demais devem ser libertados imediatamente”, escreveu Bolsonaro. E acrescentou: “apelo à consciência dos brasileiros, das instituições, dos parlamentares e da imprensa séria: reflitam sobre o preço dessa escalada autoritária”
A reação do ex-presidente ocorreu após a publicação de reportagem da Veja revelando que Mauro Cid mentiu ao ser questionado no STF sobre o uso de perfis em redes sociais para comentar sua delação. Durante seu depoimento, o militar afirmou não utilizar redes para tratar do tema. No entanto, segundo a revista, provas demonstram que ele mantinha conversas privadas em um perfil do Instagram (@gabrielar702), onde criticava Moraes, falava das pressões da PF e revelava detalhes dos bastidores do processo.
Conversas indicam omissões de Mauro Cid – De acordo com a Veja, as mensagens trocadas entre 29 de janeiro e 8 de março deste ano indicam que Mauro Cid descumpriu cláusulas centrais de seu acordo de colaboração, incluindo a proibição de manter contato com investigados e de divulgar informações sigilosas. Ele relatava incômodo com o rumo das investigações e com o que considerava uma condenação já definida pelo STF. Em uma das mensagens, escreveu: “não precisa de prova!!! Só de Narrativas!!!!”.
Em outro trecho, Cid afirma que “AM é o cão de ataque”, referindo-se a Moraes, e avalia que só haveria saída para os acusados com uma intervenção do Congresso ou com uma eventual vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, imaginando que isso poderia trazer sanções ao Brasil.
Delator minimizou papel de Bolsonaro, mas confirmou reuniões golpistas – No depoimento ao STF, Mauro Cid tentou suavizar o papel de Jair Bolsonaro nos eventos de dezembro de 2022. Disse que, embora tenha participado de reuniões em que se discutiu a anulação das eleições e medidas contra o Supremo, o ex-presidente “não ia fazer nada”. O militar também classificou parte dos diálogos como “conversas de bar” e alegou não se recordar de detalhes importantes, como o local exato onde teria recebido de Braga Netto um pacote de dinheiro para financiar militares.
Ainda assim, Cid confirmou que Bolsonaro duvidava da lisura das urnas eletrônicas, discutiu medidas para impedir a posse de Lula, e que o almirante Almir Garnier teria colocado a Marinha à disposição do então presidente. Essas informações, somadas a documentos, aparelhos eletrônicos e outras testemunhas, serviram como base para a acusação formal contra o grupo que integraria o núcleo central do plano golpista.
Bolsonaro reforça tese de farsa e nega responsabilidade – Na sua publicação, Bolsonaro retomou a retórica de que há uma conspiração para impedi-lo politicamente: “a ‘trama golpista’ é uma farsa fabricada em cima de mentiras. Um enredo montado para perseguir adversários políticos e calar quem ousa se opor à esquerda”. Ele alega que o processo “é uma caça às bruxas contra mim e contra os milhões de brasileiros que eu represento”.
A defesa de Bolsonaro já vinha adotando a estratégia de desqualificar a delação de Mauro Cid. Com a revelação das mensagens e a contradição durante o depoimento ao STF, os advogados do ex-presidente consideram que a credibilidade do delator está comprometida, o que poderia abrir margem para questionamentos formais ao acordo de colaboração.
Futuro da delação será decidido por Alexandre de Moraes – A quebra das cláusulas do acordo coloca em risco os benefícios garantidos a Mauro Cid, que envolvem desde perdão judicial até a preservação de direitos militares e proteção policial. Caso a delação seja cancelada, ele volta a ser réu pelos mesmos crimes dos demais acusados e pode ser condenado a até 40 anos de prisão.
O perfil @gabrielar702, utilizado pelo tenente-coronel, foi deletado logo após seu interrogatório no Supremo. Agora, caberá a Moraes decidir se a delação será mantida ou rescindida — e, com ela, o destino jurídico de um dos processos mais sensíveis da história recente do Brasil.